37. Os mistérios e encantos do Km 24 do ramal Delfim Moreira.

Em janeiro de 2023 após mais uma trilha pelo ramal Delfim Moreira fizemos uma parada no Km 24, local que abrigava a estação do Barreirinho, e conversamos com alguns moradores em uma venda na localidade. Um dos moradores citou a presença de um mosteiro nas proximidade do Km 24 e disse que um dos responsáveis pela construção do imponente recanto seria Dom Celestino que foi amigo do Monsenhor Catarino, o qual reside em Pouso Alegre-MG.

Igreja do Barreirinho. Viagem de Janeiro de 2023. A localidade abrigava o Km 24 do ramal Delfim Moreira. Foto: R. Fraga.

O túnel do Barreirinho fica sob a antiga linha férrea, serve como bueiro que conduz as águas de uma cachoeira próxima. Sempre me vem na cabeça as lembranças do Bueiro da Curva do Km 62, sentido Pedrão, em que os problemas de drenagem de água teriam levado ao acidente de 25 de março de 1925. Como a construção do ramal Delfim Moreira pode ter sido construído na mesma época, considerando que a inauguração as estações teriam sido em 1927 é possível o túnel do Barreirinho, único na região, tenha sido realizado sobre a influência da consequência da tragédia do Pedrão. Foto: R. Fraga

Tentamos naquela tarde chegar ao antigo mosteiro mas a localidade se encontrava fechada. Na mesma noite entrei em contato com o Dr. Wiliam, meu amigo de longa data, e perguntei se ele tinha o contato do Monsenhor Catarino. Achei a história fascinante; um antigo mosteiro que estaria na órbita da ferrovia e que certamente teria alguma relação com os caminhos de ferro.

    Os encantos e a beleza do antigo ramal Ferroviário. Foto de Janeiro de 2023. Foto: R. Fraga

Após meses de tentativa de contato enfim no dia 19 de novembro de 2023 agendamos um encontro com Monsenhor Catarino. Na parte da manhã estivemos no trajeto inicial do ramal Delfim Moreira, na localidade conhecida como Fazenda Pedra Princesa. Fomos muito bem recebidos pelos proprietários Manoel Olinda e pela Sra. Oralina. 

Eu estive em novembro de 2022 com o Sr. Adílio Sores, em uma casa próxima da Fazenda Pedra Princesa, e chamou a atenção o relevo de uma plataforma de trem com um muro construído em cima.

Plataforma em uma casa ao lado da Fazenda Pedra Princesa. Conforme nosso estudo se trata de uma 'Parada' e não a Estação Trotyl. O Sr. Adílio Soares que reside na casa e trouxe em Nov/2022 as informações sobre Hugo Janote. Foto: R. Fraga

Inicialmente havia a citação que a plataforma identificada na casa próxima seria a estação do Km 11, de nome Trotyl. Existe essa citação em sites e documentos. Posteriormente conversando com o Sr. João Vitor da Costa, na região da Pedra Princesa, ele citou que a estação Trotyl estava localizada no local onde hoje se encontra a Escola Municipal Durval Braga em Ponte Santo Antônio. A Sra. Oralina também confirmou a informação e disse que o embarque de passageiros era na proximidade da escola municipal próxima, ao lado da Igreja de Santo Antônio.

Igreja de Santo Antônio no sopé da Montanha. A escola Municipal Durval Braga onde seria de fato a estação Trotyl, Km 11. Foto: R. Fraga

A beleza e os encantos do antigo Ramal Ferroviário de Delfim Moreira. Foto: R. Fraga

O Mapa da RMV que conseguimos na sede da Secretaria de Turismo de Delfim Moreira traz várias informações. Lá consta o nome da ponte sobre o Rio Santo Antônio, afluente do Sapucaí, e uma plataforma da RMV exatamente no local que seria a Escola Municipal Durval Braga.

Imagem obtida por intermédio da Secretaria de Cultura de Delfim Moreira que traz a localização da Estação do Km 11 (Trotyl). A informação confirma que a Estação estaria no local que hoje abriga a Escola Municipal Durval Braga. Pesquisa: R. Fraga.

A Fazenda Pedra Princesa foi propriedade do Sr. Hugo Janote, falecido na década de 1980. Segundo o Sr. Manoel Olinda se tratava de um grande fazendeiro da localidade, possivelmente a maior propriedade da região com mais de 200 hectares e grande produtora de leite. O Sr. Hugo Janote era, segundo Monsenhor Catarino, um homem de negócio e foi gerente do Banco da Lavoura. Hugo Janote só teve um filho, de nome Júnior, que vendeu a propriedade na década de 1990 para o Sr. Manoel.

Sr. Manoel Olinda (centro); à esquerda meu pai Vitor Roberto. Sede da antiga Fazenda Pedra Princesa. Foto: R. Fraga.

Sede da Antiga Fazenda Pedra Princesa. Sr. Manoel Olinda à esquerda, meu pai Vitor Roberto ao lado. A direita Sra. Oralina. Foto: R. Fraga.

O Sr. Manoel cita que a propriedade era uma grande produtora de leite, com produção diária superior a 500 Litros/ dia.

Retornamos para Itajubá no período da tarde e fomos até a Secretaria paroquial da Igreja São Benedito. Lá encontramos o Monsenhor Catarino e o Sr. Donato Santana que nos concederam uma brilhante entrevista cheia de curiosidades sobre os caminhos do trem.

Meu pai Vitor Roberto a esquerda; Monsenhor Catarino, seguido pelo Sr. Donato Santana. Foto: R. Fraga/ Outubro de 2023.

O Sr. Donato Santana disse que o mosteiro do Km 24 começou a ser construído em 1955 e funcionou até 2005 quando foi transferido para Pouso Alegre. O nome inicial era Mosteiro Santa Maria de Serra Clara.

Dom Celestino ainda jovem foi Preor na Bahia e voltou para o Rio de Janeiro. Ele resolveu fundar a Serra Clara após andar à cavalo por toda Delfim Moreira e comprar as terras de um Senhor conhecido como Benedito Ferreira.

Foto da visão do antigo Mosteiro Serra Clara; vista para a Igreja do Barreirinho.

O Sr. José Catarino (Monsenhor Catarino) disse que Dom Celestino foi um Santo, disse que ia até Serra Clara à pé. Monsenhor Catarino disse que Dom Celestino era um homem de oração e de um conhecimento ímpar. Parte da construção de Serra Clara teria sido construído através do intermédio do Dr. Celso Braga (engenheiro da RMV), que facilitou a chegada de muito material de construção até o Barreirinho.

Monsenhor Catarino cita que foi o primeiro Postulante do Mosteiro. Ele ajudou na construção do Mosteiro, ajudou a levar material desde o Barreirinho. Monsenhor Catarino cita que Serra Clara era um local de oração e trabalho.

Monsenhor Catarino; Sr. Paulo Sérgio Ribeiro Alves, eu e meu pai Vitor Roberto. Monsenhor Catarino, natural de Delfim Moreira, foi Capitão do Exército. Cursou a arma de engenharia na AMAN; concluiu seus estudos em 1959. Deu baixa do Exército e foi fazer filosofia no Rio de Janeiro. Foto. Outubro de 2023.


Monsenhor Catarino disse que hoje é padre no mundo mas seria padre por lá. Ele cita que tem muita saudade do local. Ele cita que a viagem de trem do Biguá até o Barreirinho levava cerca de 40 minutos.

No final da tarde estivemos com o Sr. Paulo Sérgio Ribeiro Alves, conhecido como Paulino, que citou que o Sr. Celso Braga. O Sr. Paulinho cita que Dom Celestino teria sido informado em Aparecida do Norte que o Sul de Minas seria uma região com grande fluxo de pessoal que se dirigia para o Santuário Nacional. Dom Celestino vem inicialmente para Itajubá e através da influência de "Seu Benedito" ele escolhe o local ideal para construção do mosteiro. Quando ele decide construir o mosteiro ele teria procurado o Sr. Celso Braga, gerente responsável pela RMV, o qual se propõe a levar o material de construção (Cimento, cal, pedra, areia) que ele havia comprado em Cruzeiro. O Dr. Celso teria construído um vagão especial, por intermédio do Sr. Mozart Faria, dono da Serralharia Faria, que transportou o material de construção até o Barreirinho.

        Foto obtida com o Sr. Paulo Sérgio Ribeiro Alves que retrata a rotina em um final de semana no mosteiro. As viagens e encontros eram constantes. 

O nome Santa Maria de Serra Clara, segundo Paulinho, deriva da observação de Dom Celestino que na porta da Capela, ao final da tarde, surgia uma luminosidade, reflexa da luz da lua, em montanha localizada na frente da capela. O nome passou então para Santa Maria de Serra Clara, pela claridade da luz da lua na montanha em frente.

Visão nas proximidades da Pedra Princesa. A pedra na beira da estrada rural, antiga ferrovia, seria referência a "Pedra Princesa". Foto: R. Fraga.

Paulinho também cita que com a chegada de material de construção até o Barreirinho foi realizada uma corrente humana para o transporte do material até Serra Clara. O material de construção (telhas entre outros materiais) teriam chegado até Serra Clara, distante 2 Km do Barreirinho, de mão em mão através de uma "corrente humana".

Continua.

Texto Escrito por Ricardo Pereira Fraga.

Agradecimento especial a Monsenhor José Catarino, ao Sr. Donato Santana, Sr. Paulo Sérgio Ribeiro Alves, Sr. Manoel Olinda e Sra. Oralina.

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